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12 junho, 2011

Ecos








Vivo sobre as circunstâncias que a impetuosidade psíquica alastra na superfície do que é concreto. Um vai e vem de rumores, de metafísica e de música espalhada pelo chão da minha realidade. Não tenho de facto uma voz espessa, nem uma abstracção ingénua. Vivo como vivem as raízes, crescendo da medula da terra, hipnotizadas pela luz e pelo encanto dos versos soltos num outono inóspito e incandescente. Vivo dos sentimentos omissos num coração condenado aos pêndulos do tempo, atado pelas ébrias fábulas que os sonhos e as cicatrizes fabricam na sensibilidade da minha vida. E tudo, ao que parece, não passa de um esoterismo inconsciente e vago, para que os meus passos deixem sempre entre a distância do pretérito imperfeito e a hora exacta onde me mostro, um mecanismo ilusório de lógica, de sobriedade, de mil e um feitiços que se acendem por detrás do que possa ser explicado, na orla das minhas pegadas incoerentes e sujas.







Assim, rasgando a minha própria imagem, eu poligonal, atravessando as torres tombadas, sem respostas nem posse, vou desprendendo o meu caminho sobre a transparente e sincera sumptuosidade do universo. Vou arquitectando tudo, com pássaros atulhados de sinfonias e orquestras que desconheço, engolindo um fausto de orquídeas que me nascem dos dedos queimados de luta e de cobardia. Porque somos cobardes, e por vezes heróis. Mas mesmo assim, eu permito à minha esperança encontrar-me sempre nessas hastes de perfeição, nessas orquídeas sublimes que bebem chuva e orvalho, que se reúnem nas metáforas das minhas reflexões existenciais; eu permito que a esperança se abra na minha boca, com espasmos e cor, com essas pétalas de seiva misteriosa que prende a alma ao mundo, o destino ao corpo.






Para onde vou nesta valsa que esbracejo com os meus fantasmas interiores, é a apenas um cálculo mental que assumo ser teórico na rotação expressionista da minha identidade. Não sou feito apenas de orgulho. E custa-me a crer neste ódio que se forma numa espécie de cuspo dentro da minha boca. Tenho as pálpebras cansadas, por vezes. Tenho as unhas doridas de esgravatar poesia na interioridade dos corpos magnéticos que esvoaçam na humanidade. Não consigo ofuscar a minha essência que sempre entornou a vida no seu estado puro. Trago esta cumplicidade e vivo a ardência da vida com asfixia e bofetadas. Mas mesmo assim, sinto-lhe o sangue, a determinação da sua magia. Porque a sua criatividade podendo ser esperma e amor, é possível respirar-lhe a sua cognitiva atmosfera de incandescências e fulgores. Existe um ar que ondula nos domínios da natureza, um ar unânime e macio, um ar que me deixa despojado de candura e de leveza, um ar que atravesso caminhando com a simplicidade deslumbrante de um homem livre. E talvez por isso, sempre fui humano e clandestino.










Sinto-me transitório e nu, aspirando as orbitas dos silêncios e as gotículas semióticas do amor que se escondem debaixo do corpo. A vida estala do meu umbigo. Existe uma matéria que me deixa suspenso, anárquico, vespertino, evaporando tudo aquilo que sou para a constelação das estrelas, para o timbre e o tacto completamente eufórico do meu estado psicanalítico. E dia após dia, a água do que posso conquistar, escorre-me mãos cerradas com a impulsividade e a força abusiva de ser quem sou. Estremeço nesta liberdade íntima e solar, esta liberdade telepatia dos meus sonhos, das minhas fraquezas, daquilo que abandono; podendo ser no meu livre arbítrio condutor dos meus oráculos, da minha alma e da minha criação abismal. É aqui que sinto a minha energia como um grito que da garganta trespassa - mudado, sustido, inalteravelmente profundo como um oceano.










E tudo que vou ascendendo pela agitação das noites, torna-se bruto e sólido sem que eu consiga compreender a sua coesão, mas que lança sobre os artifícios das coisas a minha intemporalidade, a minha nudez, a minha silhueta incendiada de sons e pensamentos que teimo em ser-lhes parte fertilizada e conectada. Não me dissimulo nem me guardo, porque não sou hóspede de mim nem ornato da minha vida. Trago vínculos apenas, montanhas que atravesso sob a luz da lua, num pacto com a minha interioridade, com a minha solidão, com os restos da vozes que dentro de mim se pronunciam sem que eu lhe mude as palavras, sem que eu lhe fira a esfinge imaginária da sua presença. Fogueiras e lobos. E as montanhas surgindo sem fim pelos limites da minha razão e da minha humildade.







Mas se eu pudesse, os meus olhos brilhariam mais. Gostaria que espreitassem bem lá no fundo a sua escuridão. Vivem lampejos e pés frios que mostram a fissura do meu surrealismo. Porque é um pouco linguístico ser-me por dentro. Mas ao redor da minha incorpórea sustentação, rebentam sonhos e ruas das minhas pupilas, trago poros vivos por onde eu me avanço e caminho, por onde eu me extravaso fundido na inspiração celeste deste mundo, nesta incerteza incurável do torpor que a vida fermenta num galope sem nome, sem ciências e sem anjos, sem profetas: apenas árvores que nascem dentro de árvores, apenas o céu nos seus teatros luminosos, apenas este chão articulado com o meu raciocínio e os meus sentidos. É uma profusão entusiástica germinando dentro do silêncio as palavras mais cristalinas. Sou eu, (invertido no meu espelho), são as minhas sonatas, as minhas planícies de desejo e de paixão e de vergonha.






E terei de viver com a incapacidade de não conseguir regressar aos bosques que perdi nesta viagem feita de milagres, de desassossego, poemas e vertigens. E terei de viver sempre intensamente. Porque eu sou eu e eu. E eu vivo dos fluidos da carne e do espírito, da minha incompatível imortalidade. Eu vivo da cratera dos orgasmos nos tentáculos da afectividade, nos braços atmosféricos da fantasia, nos trovões do toque e no baloiçar do instinto sobre a habitação do lume que o coração intensifica até aos gemidos das alturas. E vivo para os outros, sem mim. E dos outros renasço bilateral. E aceso na fórmula ressonante do sono da terra, eu sou água nas mãos da vida, entrelaçado pelos poderes da respiração em cada segundo animal e humano, vórtice de tudo em pleno suspiro, em plena metamorfose, abismo e aurora.







Mas olho para o mundo e vejo cada vez mais castelos, cada vez mais máscaras, bailarinas que tremem de medo em cima de um palco de prazeres inventados. E pergunto-me se saberei para onde ir quando o medo também me tomar, quando me doerem o joelhos e a amargura e o pranto pesarem nos meus sentimentos. Pergunto-me se estas prosas que ardem, serão instrumentos de loucura, ou até se mesmo me conduzirão a algum lugar. Ou será que conseguirei permanecer diante este espectáculo revestido de instantes e canções que nunca acabam? …







A impressão que a vida nos deixa é sempre um coisa tão complexa e tão misteriosa, que nunca sabemos se somos reais ou um resultado delirante da nossa constituição humana. A proximidade que existe entre mim e o universo é cada vez mais íntima, mas sobram estilhaços, sobra a cadência da vida que pulsa absoluta nas sombras da minha lucidez. Oiço os bombos e as veias e as películas. Oiço os comboios deixando um rasto de ruído e de saudade. E diante o meu corpo erguido às coisas tombadas - a minha vida.







Sei que envelheço e a aparência do que é concreto é um intervalo conceptual que me emociona. Vivo enquanto anoitece, enquanto as figuras e os fósforos da sobriedade se desfazem na humidade do tempo. Vivo perturbado, sensível, entre a esperança e as artes e os pesos das portas que fecho em segredo. E nesta velocidade, deixo pulsar os sintomas, deixo correr os rios, deixo em voo as minhas alienações, as minhas mãos analíticas, a minha sina frágil e invisível.

Olho para a vida como se quisesse beija-la; e nada sei da sua proliferação de deslumbramento. A vida é enigmática, como uma lua enorme que cresce nos braços da noite. Uma lua que vai transfigurando a profundidade do meu olhar, a opacidade interior das minhas palavras. E eu, invento que ela me compreende. E eu, invento que sou o seu reflexo solitário e distante. E nada mais sinto, senão um afastamento, um vazio, como se fosse seu filho, a sua mácula; e a vida fosse sempre algo que está longe, que não se pode tocar, senão projectar os olhos sobre a sua luz, sobre o seu encantamento embrionário e real.







Mas talvez nem eu mesmo compreenda o que eu sinto, o que eu sou. Às vezes penso que não sou mais do que um fundamento interior. Um colapso. Às vezes penso que não sou mais que uma busca incessante de respostas na profundidade do mundo. Vivo neste ímpeto onde me dissipo em riscos, onde me reconstruo em ruídos, possesso pelos espíritos e pelas espirais que me deitam sobre o cosmos. E nesta tontura, desfeito pela saliva do tempo, sou uma luminosidade desmantelada pelo esboço de mim próprio. Ecos.

3 comentários:

  1. Quem não vive de sentimentos omissos e de sonhos? Mas não é tão mau viver assim, pelo menos existe sentimento, existem sonhos para comandar as nossas vidas. Vidas essas que não são perfeitas, e por muito que se tente atingir a perfeição, nunca conseguimos, porque temos ambição e a esperança que tu falas…
    Por vezes os fantasmas que nos acompanham diariamente são fortes e só dá vontade de os agredir, mas às vezes a melhor decisão é ignorá-los e assim vemo-los a afastarem-se até serem um pequeno ponto no nosso horizonte. Quanto à “água do que podes conquistar que te escorre pelas mãos”, irá sempre existir pequenas gotas que teimam cair, no entanto, o saber está no modo como a tentas segurar e nas ajudas que podes ter para o fazer. Assim se observares atentamente, verás que a maior parte permanece.
    As prosas que ardem podem ser as duas coisas, instrumentos de loucura onde colocas angústias, preocupações, instintos, mas também te podem conduzir a outro lugar, um lugar mágico, com sonhos e esperança para os realizar. E neste último o medo não habita, essa coisa que nos faz parar de agir ou mesmo fugir dos nossos objectivos. Sem ele consegues seguir o teu caminho, que por muitas pegadas inseguras que possas ter não devias olhar para trás, porque podes ter passado por bosques fantásticos, mas vais encontrar outros que serão espectaculares.
    Por vezes não nos compreendemos, ou não nos queremos compreender, mas isso não significa que outros não o façam, mas que não o demostrem. Todos procuramos saber porquês e mais porquês…podemos dizer que não sabemos a resposta, mas há alturas em que percebemos que ela esteve sempre à nossa frente e só não vimos, porque não estávamos disponíveis para ver.

    Continua assim

    parvo...mas infinito
    :P

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  2. Hum... o modo como escreve muito se assemelha a minha maneira também de escrever... Gostei!

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