Primeiro, antes do mar, existiam dois pés.
Quando foram inventadas as palavras,
era um pouco tarde para separar as veias
das águas, e as águas do poema.
Era tudo invisível; mas um dia rebentou
um pequeníssimo espaço no vazio
onde ser livre alargava uma lua em torno
dos olhos.
O corpo era já um enorme pedaço de terra
e fazia bem saber que existia por vezes um sol
no alto,
e estrelas esparsas, e frases complexas com
metáforas
e outras coisas meias moléculas, meias sonho.
Quando todo o universo se construiu na sua
desorganização,
também já era tarde para mim – fosse para me
libertar do oceano,
fosse para permitir que a ilusão me negasse a presença
de uma realidade
que me entregaria à explosão imaginaria de
deus - ou do eu.
Apenas escrevia. Dia e noite. Sempre.
Como se escrever fosse permitir a invasão de
todas as coisas,
como se escrever fosse a espuma do mar ao
relento,
na mudez absoluta da madrugada. Entendes?
Algo que não lhe conheço o fim…