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19 fevereiro, 2010

Meia dúzia de linhas que escrevi durante a noite moída


Trago apenas meia dúzia de linhas que escrevi durante a noite moída. Sou a conjuntura de todas as minhas batalhas, de todos os circos destruídos, em fogo, em cinza, rolando pela cidade anónima dos corpos que me visitam através das janelas alienadas.
Sou metade do que sou, entorpecido pelas luas rodopiando em torno do meu cérebro. Sinto-me tão só como a primeira vez que abri os olhos e sobre o meu corpo desequilibrado, duas mãos vibraram em mim para me arrancarem do covil das águas luminosas.
Sou a confirmação de que o tempo testemunha aquela poalha que não se vê, mas que deixa algumas picotadas nas carnais irregularidades da vida, sobretudo na paralisante e perpendicular descida da memória à superfície do que é real e do que toda a vida foi invenção.
Agora só me resta esperar pelos mares que espumam sobre os rochedos os pensamentos misteriosos que alguém escreveu em dias de angústia, em noites de paixão, de fúria, ainda abismado com as aparentes circunstâncias de existir e pela plena consciência de entulho e de largos afectos.
Agora só me resta esperar pelas águas cobrindo o meu sono. Sempre me assombrou esta falta de assimilação do desejo com a realidade. Nem sempre tenho forças para alumiar um espírito enfraquecido. Nem sempre tenho coragem de me aglutinar à razão dos outros. Progrido com as minhas vitórias, mas sobretudo com as cicatrizes e as mágoas que ainda hoje me cortam, como navalhas.
No fim, a moralidade de tudo ser falso e ridículo, é verdadeiramente inútil. Sei que dos meus curtos passos, longas ruelas se espalham pelos braços e pelos enigmas e os traços e os perímetros de outras longas ruelas que não vejo, mas que simultaneamente, também sobrevivem da vida no seu estado absoluto.
Sou o meu próprio argumento de existência. Não trago fórmulas nem fundamento. Trago apenas meia dúzia de linhas que escrevi durante a noite moída.

2 comentários:

  1. Digo-te que senão fosses tu poderia dizer que me confundiria com a minha escrita, com certeza não me lembraria de quando teria escrito ou em que momento. Parabéns pelos teus posts são profundos e bastante recreativos.
    Espero continuar a seguir-te e tu a mim. ;)

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